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Dra. Gicelli Paixão

CORONA VÍRUS E O CONTRATO DE TRABALHO


Nós estamos, sem sombra de dúvidas, vivenciando uma crise global.


A pandemia do corona vírus está impactando a vida de todos, em todas as áreas. No campo trabalhista temos assistido com pesar que muitas empresas fecharão as portas em decorrência da impossibilidade de manutenção dos postos de trabalho.


Em função das medidas de segurança para evitar a disseminação do vírus, muitas empresas não dispõem de força laboral necessária para dar continuidade das atividades, enquanto perdure essa situação de calamidade.


A Lei 13.979/2020 disciplinou acerca do isolamento de empregado doente; da quarentena que consiste na restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação e os exames compulsórios:


Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:

I - isolamento;

II - quarentena;

III - determinação de realização compulsória de: a) exames médicos;

A própria lei traz o conceito de isolamento e quarentena:

Art. 2º (...)

I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e

II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.


O fato é que de um lado temos o risco da atividade totalmente assumido pelo empregador nos termos do Art. 2º da CLT: “Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.


Por risco da atividade devemos entender como quem arca com os lucros e as perdas do empreendimento.


Logo se não há possibilidade de prestação de mão-de-obra em função do COVID-19, tem-se que, ainda que proveniente de força maior, esse é um dos riscos do empreendimento.


Há receio de contagio da doença e algumas empresas fecharão as portas, no caso dos Shoppings. Os estabelecimentos devem ficar fechados até 30 de abril em São Paulo.


O Governo Federal pretende editar medida para flexibilizar as regras trabalhistas, permitindo a redução da jornada e dos salários pela metade, desde que, previamente acordado entre empregado e empregador. Além disso, poderá permitir que se antecipem férias individuais, decretem férias coletivas, usem o banco de horas para dispensar trabalhadores do serviço e antecipem feriados não religiosos.


A intenção é preservar empregos e a renda dos trabalhadores brasileiros.

Os acordos individuais, nesse período, serão preponderantes em relação à lei, respeitados os limites previstos na Constituição.


Informação relevante: Nesta terça (17/3), a comissão mista do Senado que analisa a MP 905/2019 teve seu relatório aprovado. O texto modifica a legislação trabalhista com a criação do Contrato Verde e Amarelo.


Enquanto as novas medidas não entram em vigor, temos alguns institutos que podem regulamentar as questões vivenciadas:


- REDUÇÃO DE SALÁRIOS


Nós temos o princípio da irredutibilidade que se dirigi ao empregador, que não pode reduzir o salário do empregado, essa é a regra.

A Constituição Federal admite a redução salarial condicionada à prévia negociação coletiva (art. 7º, VI, CF).

Nesse sentido, o Art. 503 da CLT dispõe:


Art. 503 - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.


Este dispositivo que prevê a redução de salários sem contrapartida está revogado tacitamente pela Lei n. 4.923 de 1965 (que Institui o Cadastro Permanente das Admissões e Dispensas de Empregados, Estabelece Medidas Contra o Desemprego e de Assistência aos Desempregados, e dá outras Providências), que disciplina o seguinte:


Art. 2º - A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.


Nesse sentido:


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. REDUÇÃO SALARIAL SEM REDUÇÃO PROPORCIONAL DA JORNADA. ACORDO COLETIVO. INVALIDADE. (...) A Constituição Federal, como já mencionado, admite a redução salarial condicionada à prévia negociação coletiva (art. 7º, VI, da Constituição Federal). Regulamentando-a, a legislação infraconstitucional exige contrapartida específica para viabilizar essa redução: conjuntura econômica, devidamente comprovada, que afete a saúde financeira da empresa (Lei 4.923/1965) ou má situação financeira da empresa, independentemente da conjuntura econômica, que recomende a sua recuperação (Lei nº 11.101/2005), nos dois casos limitada a 25%, de forma transitória e mediante redução proporcional da jornada. O art. 503 da CLT, que previa a redução dos salários em caso de força maior, sem contrapartida, foi revogado pela Lei nº 4.923/1965, porque posterior à sua edição, que para a mesma situação descrita exige a redução salarial, proporcional à redução da jornada (art. 2º). Verifica-se, portanto, que a manutenção do emprego não é contrapartida exigida pela lei. A manutenção do emprego é a finalidade da lei, obtenível, no entanto, pelo expediente específico nele previsto, que é a redução proporcional da jornada, o que não ocorreu no presente caso, daí por que inválida, na forma como realizada. Recurso de revista conhecido por violação do art. 7º, VI, da Constituição Federal e provido . (TST - RR: 11569620115040811, Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 22/04/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/04/2015).


Na CLT ainda temos o Art. 468 que dispõe:


Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.


Nesse diapasão o Art. 611-A, §3º da CLT a lei dispõe que: “Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo”. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).


Portanto, tem-se admissível no ordenamento jurídico a redução dos salários desde que respeitadas as regras acima mencionadas.



- REDUÇÃO OU INTERRUPÇÃO DE JORNADA


A redução da jornada pode se dar pelos institutos da compensação ou prorrogação e de jornada e banco de horas.


Por intermédio do instituto de Banco de Horas – poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. Ou até 1 ano com acordo coletivo, ou seja, o banco anual e o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.


Ainda pode se valer do Art. 2º da Lei n. 4.923 de 1965, que disciplina também a possibilidade de redução da jornada de trabalho.


No caso de interrupção do trabalho em decorrência de força maior, o empregado poderá exigir a realização de horas extras, nos termos do Art. 61, §3º CLT:


Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais, ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua realização, a duração do trabalho poderá ser prorrogada pelo tempo necessário até o máximo de 2 (duas) horas, durante o número de dias indispensáveis à recuperação do tempo perdido, desde que não exceda de 10 (dez) horas diárias, em período não superior a 45 (quarenta e cinco) dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da autoridade competente”.



- ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO


Empresas que decidam continuar operando ou que simplesmente não podem paralisar suas atividades precisam tomar uma série de cautelas nessa situação complicada.


Nesse sentido, dispõe a NR 01:


1.4.3 O trabalhador poderá interromper suas atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao seu superior hierárquico.

1.4.3.1 Comprovada pelo empregador a situação de grave e iminente risco, não poderá ser exigida a volta dos trabalhadores à atividade, enquanto não sejam tomadas as medidas corretivas.


As empresas que optarem por permanecer desempenhando atividades deverão observar:


Art. 157 - Cabe às empresas: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977).


Bem como as diretrizes da NR 32, sob pena responsabilidade civil por eventual acidente de trabalho (contagio da doença na empresa ou em decorrência da atividade) Art. 20 da Lei 8.213/91.


Os empregados também possuem responsabilidades:


Art. 158 - Cabe aos empregados:

I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior;

Il - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Parágrafo único - Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)


Portanto, importante que a empresa adote todas as medidas necessárias para evitar o contagio e disseminação da doença e fiscalizar o seus colaboradores para o respeito a essas medidas.



- ABONO DAS FALTAS DECORRENTES AO EFEITO CORONA


A Lei 13.979/2020 disciplinou acerca do isolamento de empregado doente; da quarentena que consiste na restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação e os exames compulsórios – sendo falta justificada, portanto, não pode haver descontos.


E no caso de afastamento de empregado doente – primeiros 15 dias o empregado que paga, após o 16º dia o INSS paga. E nas hipóteses da Lei do COV-19 consideram-se faltas justificadas.


- CONCESSÃO DE FÉRIAS


Trata-se de um direito concedido de acordo com os interesses do empregador.


Há lei traz a possibilidade de concessão de férias coletivas e individuais.

A grande questão que se impõe é o necessário aviso de férias com 30 dias de antecedência.


Nesse caso, com base no Art. 8º da CLT “interesse público” sobrepõe o “particular” pode-se eximir do aviso de 30 dias para concessão das férias.


- MODIFICAÇÃO DO TRABALHO PRESENCIAL PARA O TELETRABALHO



Modalidade de trabalho fora das dependências do empregador mediante o uso de tecnologia, foi disciplinado pela Lei 13.467/2017, Art. 75-A e ss da CLT.


Nesse caso é necessário que as funções do empregado sejam as mesmas daquelas realizadas na empresa e principalmente, deve ser haver a concordância do empregado para a mudança do ambiente de trabalho, ou seja, deve ser ajuste bilateral.



- RESCISÃO DOS CONTRATOS


Considerando o enorme impacto da economia, se em decorrência dessa força maior o empreendimento não mais subsistir, poderá ocorrer a rescisão por força maior, no caso de fechamento da empresa – Art. 502 da CLT.


- A CONCESSÃO DE LICENÇA REMUNERADA


As empresas podem promover a licença remunerada de seus colaboradores e nesse caso, se superior a 30 dias, afeta o direito as férias.


- CONCLUSÃO:


Diante da situação delicada que estamos vivenciando, a melhor estratégia é rever o plano de negócios e fazer um planejamento e contingenciamento para que as empresas subsistam aos efeitos da crise.


Se de um lado temos visto a paralisação de inúmeras atividades, por outro lado, não podemos negar a elevação da mão-de-obra na área da saúde, farmacêutica. E nesse caso, as empresas que atuam nesses segmentos podem se valer da contratação de mão-de-obra temporária (Lei n. 9.019/74). Além do contrato determinado previsto na própria CLT (Art. 443, §2º, “a”) cujo o limite é de até 24 meses. Há ainda a possibilidade de contratação de mão-de-obra em contrato de trabalho intermitente e há quem entenda que o contrato pode ser verde e amarelo.


Em todos esses casos imprescindível cautela para que se evite prejuízos a saúde da coletividade e a saúde financeira das empresas.


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